um algarve outro




12º Serão


"Com o pão não se brinca"
Vou-lhe contar uma história que os antigos contavam, como acontecida com uma mulher que não respeitou o pão como é de preceito.
Uma mulher "estava de cozedura". Enquanto tratava do forno, veio-lhe um grande calor, foi-se às meias e descalçou-as.
Mais tarde, quando estava a retirar o pão do forno, deu.lhe um jeito com a pá, um pão rebolou e caiu-lhe em cima do peito do pé. Como não tinha meias queimou-se e gritou: ai, maldito pão!
Saiu-lhe o dito pela boca fora sem sentir. Como era muito temente começou a empreendeder que algum castigo lhe podia cair em cima ou de dois filhos que tinha.
Um belo dia, calou-se muito calada e abalou sem dizer ao marido a caminho de Roma, para confessar o pecado ao papa.
O marido esperou, esperou e, como não tinha novas nem mandados da esposa, voltou a casar.
Neste meio tempo a mulher, com muitos trabalhos, conseguiu chegar a Roma e confessou-se ao Santo Padre que lhe deu de penitência ser enterrada, até à cintura, no cemitério. Lá comeria e beberia duante sete anos com a condição de se esquecer da família que tinha deixado na terra.
Ao fim dos sete anos de suplício foi a mulher apresentada ao papa que lhe perguntou se ainda se lembrava da família. Ela respondeu que se lembrava de dois filhinhos que tinha.
Não se tendo ainda esquecido da família, foi renovada a sentença por outros sete anos.
Passado esse tempo apresentou-se de novo ao papa, que se calhar já era outro, mas isso não importa para a história, que tão verdadeira é ela duma forma como de outra! O papa disse que já chegava de penitência, entregou-lhe uma carta fechada recomendando-lhe que nunca a abrisse e que fosse para casa que lá iria morrer em paz.
A mulher pôs-se a caminho e depois de novos trabalhos chegou a casa dela. Era já de noite. bateu à porta, percebeu que o marido tinha voltado a casar, não disse quem era e pediu poisada.
A segunda esposa que era muito má negou-lhe a poisada e ela ficou na rua, no "pial" da porta, enroladinha no xaile. Mais tarde chegou o marido que não a reconheceu. Teve pena, mandou-a entrar e sentar-se à mesa para cear com a família.
A outra, má, sempre a resmungar e a pobrezinha muito contente de ver os filhos feitos homens, pois tinham passado catorze anos.
A madrasta comia pão branco mas aos enteados não dava senão pão de rolão e à pobre nem desse lhe deu.
Quando chegou a hora de dormir, queria a má que a outra se deitasse numa enxerga no chão da casa de fora, mas os filhos que dormiam os dois na mesma cama ofereceram logo o quarto para a mãe, isto sem saberem que era a sua própria mãe.
No outro dia a mulherzinha não dava rumor e como o sol já ia alto, os rapazes foram ao quarto e encontraram-na morta, toda cercada de flores. Tinha na mão a carta que o papa lhe tinha dado. Os filhos não lha deram tirado. Chamaram o pai e só ele lha conseguiu tirar. Então leram a carta, que era a história da vida dela, do pão amaldiçoado, da viagem para Roma, da confissão e da penitência dobrada.
O marido e os filhos choraram muito. A segunda mulher deu um estoiro no ar e desapareceu com toda a sua ruindade.
Para não se acabar o serão com tantas tristezas, vou lhes dizer uma adivinha, que vem a propósito:
*A muitas misturas devo
vir a ser o que sou
mas levo sempre mau pago
da gente com quem me dou.
Sou abafado primeiro
e num cercal me vão pôr
não se me muda a figura
mas do rosto mudo a cor.
Todo o povo me procura
porque precisa de mim
tive criação aos murros
tenho facadas no fim.
Mais outra:
**Come o porco e a galinha
do que é rico e do que é nobre
Na mesa falta ao pobre
é escuro, não é carvão
e a fome diz: é pão ,é pão.



( ... ) "Um Algarve Outro" revela-nos uma Glória Maria Marreiros como autora muito pessoal que ,para além do seu pendor científico e do seu duplo talento de investigadora e escritora ,assimila elementos vários que muito poderosa ,profunda e originalmente vêm enriquecer a bibliografia da antropologia cultural portuguesa de hoje.

E há que atentar , também ,no talento literário de Glória Marreiros que se revela uma indiscutível e decidida ficcionista .É ,precisamente ,neste aspecto literário da sua personalidade , que reside uma das suas componentes mais aliciantes .É que a autora ,ao não se colocar na posição fria e objectiva do investigador ,e ,ao não menosprezar o rigor da observação e da análise ,envolve ,mediante um belo estilo literário ,as suas observações e investigações num estilo descritivo muito atraente ,porque ,ao rigor científico e metodológico do seu trabalho de pesquisa e de recolha ,empresta o calor e a sensibilidade de um enorme e humaníssimo amor.

Obrigado Glória Maria Marreiros pelo trabalho que tem realizado .Possam a Cultura Portuguesa e os algarvios agradecer-lhe também
Lisboa ,Maio de 1991 - Tomaz Ribas.
_________________________________
*É o pão
**É o pão de rolão, também chamado pão milheiro
fotografias de refoista tiradas no Concelho de Monchique

maria [de fátima] toscano

que se considera uma buscadora da Fala Poética, tem vindo a crescer - desde maio de 1963 - alentejana de Campo Maior, em ligação encantada com gentes e lugares ( Abrantes ,Ilha do Sal ,Águeda ,Alentejo ,Lisboa ,País Basco e Coimbra ). Tal percurso de encantamento obriga a várias aprendizagens intermináveis ,entre as quais ,a da artesania do desengano.
Assim ,nos anos 70-80 ,participou em/dinamizou organismos culturais estudantis - 1978 - Liceu José Falcão: 1º Prémio de Poesia/Curso Geral, IIºs Jogos Florais; e Núcleo de Teatro co-fundador dos Encontros de Teatro na Escola ( Dir. Melo Alvim ); 1980 - Curso de Iniciação do TEUC ( Or. Deolindo Pessoa ); 1981 -integra o elenco das três primeiras peças de IBIS, Teatro Universitário -ISCTE ( fundado e encenado por Paulo Filipe; Prémio de Grupo Revelação/81 com "Drama em Gente - Exposição Fotográfica sobre Fernando Pessoa" ); formação em voz e canto ( Edith Piaf, Mahlr ), e de actor, por profissionais.
Meados de 80-90 - cantou e fez animação de diversos bares/restaurantes ( Lisboa e Coimbra ); música popular portuguesa e brasileira, fado; cafés-concerto ( canções de Piaf e textos próprios ); desde 1993 - tem vindo a aperfeiçoar o canto de Fado de Lisboa em acuações pontuais.
1991 - Na tertúlia de 8 de Março, no BOUTEQUIM, interpretou canções de Piaf, a convite de Natália Correia.
1998 - Participação breve numa canção do livro-cd "Poemigas. Versos y Canciones ( 1990-1997 ) - poesias de José Luis Arántegui; músicas de Miren Ariño ( ed. Espanha, "del Lunar", col. Del Nagual: 1998 ).
7 livros de Poesia Publicados.
Presença on line - está/esteve presente nalgumas páginas de poesia on line -
particularmente
( onde retirámos estas notas curriculares ).
Realçamos os seus blogues de intervenção estética e cultural -
http:/sulmoura.blogspot.com.
Integrou a escrita on-line de "o poema mais longo em língua portuguesa", o fulgor da língua -
aprofunda a escrita poética em espanhol, desde Novembro de 2003 ,in
http://www.elistas,net/lista/poetas-zaguan/.
Desde 1997 - tem criado e realizado o que designa como "rituais poéticos: sessões diferenciadas da prática declamatória, fundadas no cruzamento experimental de técnicas teatrais participativas do público-parceiro ...
No campo profissional é Socióloga desde 1986 - ISCTE, Lisboa. Ensina no Instituto Superior Miguel Torga de Coimbra desde Janeiro/1990 e - após Mestrado na FCSH-Univ. Nova/Lx, 1993 - prepara, no ISCTE, a dissertação de Doutoramento sobre "mulheres, socialmente designadas como pobres-excluídas, em processos de requalificação".


Branco da Casa

1.

pelo encantamento, essa mulher.
pelo enternecimento, voz pulsada a sangue, à mão.
pela austera brava marcha, filão da Luta olhar aceso pelo tempo, corpo - agora -ileso.
pelo encantamento, essa mulher.

toada primitiva e a caminho, ombreira em movimento, cama lavada rossio - pedonal,
mediterrânico, índio, tribal -

pelo encantamento, falo. da mulher

tem um caso sério com toda a causa humana, é um caso muito sério - do humano -
essa mulher

...

apresentas-te ao portão, roças o batente, tocas a campainha, chamas pelo nome, bates palmas,
assobias, sem ousar o trilho branco da casa

pela alameda clara cheira-te à madeira ao ananás, a sucos de memórias, vinhos a risos, brincadeiras e sustos incabíveis em relatos, em molduras, pela entrada da alameda ecoam aves, silvos esvoaçam rosas, palmeiras, dálias frondosas laranjas rolam-se em passadeiras doces assomam olhitos negros, caracóis louros morenos ombros mouros, mãos de mil dedos carnudos lábios da seiva que faz a sede de água cálidas frases, palavras estremosas - pela alameda que o portão franqueia à entrada
tem um caso com a bravura muito sério com a ternura. é um caso muito sério do mundo essa mulher.

...

sem ousares o trilho branco da casa alguma folha estalará. aqui e ali, uma pedra em branco te aguarda a moeda de ouro benzida pela cigana uma vela, a meio de ardida, o jarro da água a almofada tosca, de alfazema a túnica lisa pousada ao lado das sandálias e da taça onde a maçã se serve com passas e romãs.

sem ousares o trilho branco da casa a cor, simplesmente, reconheces à tua volta, a amendoeira em flor, sem ousares o trilho branco da casa de perfil, avista os cereais de onde a floresta antiga se assegura que a lonjura do areal - outra alameda - te conduza ao oceano em mar.

maria toscano
-branco de casa -( Bètera, Txalapartak ( Valência ), 31 julho a 6 agosto; e Madrid, 7 agosto 2003 )
-fragmento do livro inédito resguardo das Esfinges. declinações do Branco.


A Distância-Presente

( a partir de Maria Zambrano )

I. a renúncia, fracasso do êxtase?

"a ausência
é o avesso da memória"

Albano Martins -Colossos de Mémmon-
in O rosto das máscaras de A voz do olhar
( Assim são as algas. Porto: Campo das Letras, 2000 )

...
demais será nunca relembrar teu encantamento de alheamento habitado.
...
intensa e feroz serenamente ao Aflito Pedido da Poesia Acudiste
...
acolheste da solidão a Busca e cuidaste soberana do abraço ansiado sabor da Malga.
...
alheadamente quer dizer
distante da tábua
...
presente na fala soberanamente.
...
teu cabresto de sul chocalhando desde o Antigo país veio
...
soberano sereno alheadamente procurando a mais alta montanha
...
a da fala mediterrânica
...
fizeste o atlântico o azteca e o ibérico
...
cantos limiares terreiros da sombra no pino das horas
...
lábios do sal e poeira tosca
...
puídos entretantos esquinas da cal
...
catedral erguida meio ao alto no meio da memória anarquista a sangrar (catalã ainda) em rostos
varandas esbugalhados na Diagonal
...
virgens a negro de Lorca
...
arrojo de decotes a cor ensejos carnosos fintas e poses de Miller
...
touradas de coxas miradas espadas e mãos
...
da revolução gravaste
...
e leques e volúpias tangadas sapateadas dedilhadas
...
e as meninas tenras na tela de V.
...
e ossadas, e carabinas a água-forte do desse do surdo traído noutra revolução
apagadamente fulminaste o estágio o em trânsito.
...
encontraste do cálculo interno o raio que enlaça os mundos.
...
apagadamente chispaste o ou de cons, tambéns
...
saraste a greta na sabida na antiga acção da raiz ao pólen.
...
amorosamente apagadamente zembraste o homem

maria toscano
( fragmento de livro inédito )
nota - as reticências centradas na linha representam mudança de página
Coimbra, Setembro/2000; Dezembro/2001 a Fevereiro-Abril/2002

gabriela rocha martins
________________________
fotografias de Augusto Peixoto.

Alberto Gordillo


Conforme o propósito deste Blog, aqui fica, para início de ano, um dos maiores criadores e design de jóias.

ALBERTO GORDILLO nasceu em Moura em 1943. Escultor e Joalheiro.
É considerado o Pioneiro da JOALHARIA MODERNA PORTUGUESA "DE AUTOR"
É o mais premiado e mencionado em publicações e o que mais exposições realizou. Executou desde 1965, protótipos de jóias de sua autoria, para fábricas de ourivesaria de onde foram reproduzidas milhares de peças de alta joalharia, destacando-se o famoso colar-teia com 300 gramas de platina e 150 brilhantes, exibido na Bolsa dos Diamantes de Londres e exposto no Museu Nacional do Traje, em cooperação com a Bienal Lisboa 94/Lisboa Capital Europeia da Cultura. Como escultor, esteve nas mais importantes exposições de arte. Em 1974 fundou a Galeria Tempo-Lisboa e no mesmo ano é apresentada exposição retrospectiva das suas jóias. Realizou a primeira exposição de joalharia em 1963 e a primeira de escultura em Março de 1971. Realizou 60 exposições individuais e participou em cerca de 250 colectivas, no País e no Estrangeiro.
Prémios com que foi distinguido:
Prémio Nacional de Joalharia
Prémio de Arte Instituto Espanhol
Prémio Rafael Bordalo Pinheiro
Troféu de Artes Círculo Cultural Luso-Espanhol
Medalha de prata do VIII Salão de Arte Moderna
Medalha de prata do XV Salão da Primavera
Menção Honrosa do I Salão Nacional de Cerâmica
Menção Honrosa do I Salão de Arte Moderna de Leiria
Prémio MAC Movimento de Arte Contemporânea Lisboa
Prémio Carreira dos Prémios Salúquia às Artes - Moura
Museus onde está representado:
Museu Nacional do Traje
Museu de Setúbal (Convento de Jesus)
Museu Municipal de Mirandela
Museu Municipal da Golegã
Museu Municipal de Torres Novas Casa
Museu Maria da Fontinha
Museu Municipal do Sabugal
Colecções em que está representado:
Ministério da Cultura
Caixa Geral de Depósitos
Banco Nacional de Crédito Imobiliário
Câmara Municipal de Almada
Câmara Municipal de Palmela
Tabaqueira
Associação 25 de Abril
Livros onde é mencionado:
-"Portuguese 20th Century Artists", Michael Tannock, Philimore & Coo Ltd, Londres,l978
-"Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses", Fernando de Pamplona, Civilização Editora,1988
-"O Museu de Setúbal", Fernando António Baptista Pereira, Soctip,1990
-"Grandes Museus de Portugal", coordenador - Jorge Cabello, Editorial Presença, 1992
-"História da Arte Portuguesa", 3° Vol. direcção Paulo Pereira, Círculo de Leitores e Temas e Debates,
-"Dictionnaire International du Bijou", direcção Marguerite de Cerval, Editions Regardo, Paris, 1998
"Lisboarte Contemporânea 1996-1997, produção editorial- Câmara Municipal de Lisboa, 1998
-"Artes Plásticas", coord. Maria João Figueiredo, produção editorial- Câmara Municipal de Sintra, 1999
-"A Moda do Século 1900-2000", Direc. Madalena Braz Teixeira, Prod.editorial- Museu Nacional do Traje


Silvestre Raposo

 
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A arte é um antidestino - André Malraux